Pesquisar este blog

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

A vida dos norte coreanos que os meios de comunicação não mostram


https://www.brasildefato.com.br/2017/09/05/a-vida-dos-norte-coreanos-que-os-meios-de-comunicacao-nao-mostram/

A vida dos norte-coreanos que os meios de comunicação não mostram

Consultor Internacional visitou recentemente o país e desconstrói imagem produzida pela mídia

Brasil de Fato
,
"Pudessem, os coreanos prefeririam investir os escassos recursos do país em setores produtivos", afirma Ferreira. / Rafael Stedile

Muito se ouve falar e pouco se conhece sobre a Coreia do Norte. O país é constantemente apresentado pela maior parte dos meios de comunicação no Brasil enquanto uma ditadura belicista sob o comando de Kim Jong-Un, a quem costumam caçoar por conta de seus penteados e vestimentas, e supostamente responsável por manter um povo faminto e oprimido. 
No entanto, o relato realizado ao Brasil de Fato pelo consultor em Relações Internacionais, Rodrigo Ferreira, retrata uma outra realidade pouco conhecida pelos brasileiros do povo norte-coreano. Ferreira esteve no país no final de julho junto a uma delegação da Via Campesina (organização que aglutina um conjunto de movimentos populares do campo) e apresenta suas impressões sobre um país extremamente estigmatizado pelos meios de comunicação. Confira: 
Você esteve numa delegação em recente visita à República Democrática Popular da Coreia. Qual foi o objetivo de sua visita
Fomos a convite da Embaixada da Coreia em Brasília, em articulação com o Ministério do Comércio da Coreia e com a Associação Coreana de Ciências Sociais. O objetivo era a promoção dos laços comerciais (o Brasil é o oitavo parceiro comercial da Coreia), sobretudo em tempos de ampliação das sanções impostas ao país, pelas Nações Unidas, em decorrência do programa de desenvolvimento e testes dos mísseis balísticos intercontinentais.
Em paralelo, buscamos também uma melhor compreensão da realidade coreana, independente da visão filtrada pelos grandes meios de comunicação, com o objetivo de trazer esta realidade à militância brasileira e latino-americana, por relatos como este e pelas lentes do fotógrafo Rafael Almeida, que acompanhou a viagem.
No ocidente, todos os dias saem noticias de uma provável guerra entre a Coreia e os Estados Unidos. Como vocês viram o clima no país, nas cidades, entre a população em geral? Eles querem guerrear mesmo?
A visão que se tem no ocidente, de um estado beligerante, principalmente a partir da adoção explícita da política de Songun (priorização do setor militar) é bastante parcial. Não se comenta, ao menos suficientemente, que se trata de um território estratégico cobiçado pelos Estados Unidos desde o fim da Segunda Guerra Mundial, sobretudo pela sua capacidade de fechar o cerco à China, somando-se a bases já estabelecidas no Japão, Coreia do Sul, Guam, Taiwan, Singapura, para citar apenas algumas.
Não tivesse a liderança coreana tomado este rumo, é muito possível que encontrassem a mesma sorte de Hussein e Gadaffi, mencionando somente exemplos mais recentes de governos que não se submeteram à hegemonia americana. Em geral, a população vê o Songun e o programa nuclear como única forma de defesa possível, e não de ataque. Pudessem, prefeririam investir os escassos recursos do país em setores produtivos, mas não lhes é dada esta opção quando há dezenas de ogivas estacionadas ao outro lado da fronteira, pronto a serem disparadas.
Em uma conversa bastante aberta, em um momento de descontração em um jantar, nos foi dito que o povo coreano deseja a paz e a reunificação do país, tanto é que abominam a expressão "Coreia do Norte", pois se consideram uma só Coreia, e que tentou por muitas vezes construí-la, mas que a revolução surgiu exatamente em razão da liberação do país, e que todo coreano está disposto a dar a vida para não cair novamente em subjugação estrangeira, seja do Japão como no passado, ou agora dos Estados unidos.
Quais foram tuas impressões sobre as condições de vida da população?
A primeira impressão que se tem ao chegar é a de que o lugar parou no tempo, em algum momento nos anos 70. Os carros são modernos (em geral modelos chineses) e há alguns prédios de arquitetura mais recente, mas a impressão do todo é de certo anacronismo estético. E este é um ponto central da contrapropaganda, sobretudo na Coreia do Sul, para associá-los a um atraso econômico.
Vencida esta impressão inicial, no entanto, é importante notar que há mais dignidade na vida da população, inclusive rural, que na maioria dos países, inclusive economias centrais, hoje em crise. As cidades são limpas e o coisa pública é muito bem cuidada; com todas as limitações de recursos, os serviços básicos são gratuitos e de acesso universal; e até mesmo o problema urbano mais comum, acesso a moradia, é inexistente. Ao casar, todos recebem do governo uma residência que pode não ser luxuosa, mas é sem dúvida digna.
É preciso que se diga, boa parte da visitação, e isso ficou bastante claro, foi a hospitais modelo, escolas modelo, orfanatos modelo, que certamente ilustram onde a Coreia gostaria de chegar, mas não é a realidade de todo o país. Em dado momento, no entanto, pedimos para parar o carro em uma pequena comunidade rural, à nossa escolha, a cerca de 200 km de Pyongyang, e não há dúvidas de que o que vimos estava bem além das condições de moradia em nosso meio rural não organizado e na quase totalidade da periferia de nossas cidades.
Pudemos constatar que não há, diferentemente do que se prega na contrapropaganda ocidental, um problema grave estrutural de fome e desabastecimento. Se houve logo após do desmembramento soviético ou em decorrência de grandes cheias no meado dos anos 90, hoje estes problemas parecem estar superados, ao menos nas regiões visitadas.
Quais são os principais problemas que eles enfrentam, e qual é a aspiração da maioria da população?
O maior problema é que a autorresiliência, em um mundo globalizado, é quase impossível. Gostariam muito de não ser ameaçados, de reunificar o país por meio de um processo de paz, mas todas as vezes em que se avançou nesse sentido o processo foi sabotado pelos Estados Unidos. Não apenas isso, as sanções impostas ao país, em resposta à única alternativa que lhes é dada de resguardo à soberania nacional, são sanções desumanas. Não levam em consideração a crise humanitária que causam. Não há distinção, por exemplo, se determinada limitação a importação de ferro se refere a ligas para a fabricação de mísseis ou do conteúdo de um medicamento ou equipamento hospitalar. Isso é cruel, pois atinge diretamente a população civil apenas.
Ainda, o país tem grandes desafios em passar sua opinião ao ocidente e contrapor acusações genéricas de violações a direitos humanos. Não importa quantos vídeos de tortura aparecerem ou quantas denuncias surgirem de prisões ilegais, inclusive de menores, praticadas no ocidente, a mídia ocidental sempre dará mais destaques a denúncias contra países como a Coreia do Norte, ainda quando desacompanhada de evidências. Vencer este tipo de ataque ideológico é um grande desafio ao país.
Aqui no ocidente sempre se coloca como folclore o comportamento do presidente da Coreia e também se diz que o povo tem verdadeira adoração pelos seus dirigentes. Como você explica ou viu esse fenômeno?
A relação entre o povo e seu representante é bem diferente da nossa, nas democracias ocidentais. A adoração à liderança não é nem uma particularidade de governos de esquerda, ou da Coreia,  como faz pensar a propaganda ocidental, nem do oriente. Ainda que  se encontra no Oriente vários outros exemplos de verdadeira adoração às autoridades imperiais, como no próprio Japão, na Tailândia, etc. No ocidente, o nazismo é outro exemplo disso. Mas o culto à imagem, sobretudo de líderes em vida, toma sem dúvida proporções ainda maiores em sociedades de base confucionista, onde há uma personificação do Estado, na figura de seu líder. A relação entre governantes e governados é uma das cinco relações principais do confucionismo. Enquanto a revolução burguesa representou também uma insurreição contra a figura do monarca absolutista no ocidente, o Juche não só é uma ideologia de autoria atribuída individualmente à liderança, como prega abertamente a confusão entre Estado, Partido e Líder.
A expressão mais clara, talvez, seja o exagerado número de estátuas, fotos e nos broches que todos carregam ao peito. Há um uma adoração à imagem que talvez não encontre paralelo em outra lugar ou tempo. Um tema interessante de debate é a contradição disso com a construção do material pelo coletivo, no marxismo.
Você acha  que a população quer a reunificação com o sul? Por quê?
A paz e a reunificação, como dito, foi sempre um sonho coreano. Em um resumo rápido sobre o processo histórico, a primeira iniciativa se deu a partir do norte, em 4 de julho e 1972, quando se assinou o programa de Paz, Independência e Reunificação. Para o norte, o término do conflito estaria condicionado a estes três fatores, o que a pressão americana sobre o governo no sul nunca permitiu que fosse possível. Veja, a questão independência propunha inclusive o respeito à diferença entre os dois regimes, em um projeto de reunificação aos moldes do modelo adotado posteriormente pela China, na reanexação de Hong Kong, de ˜um país, dois sistemas.
Em 15 de julho de 2000, houve o primeiro encontro pós-guerra dos dois chefes de Estado, na Zona Desmilitarizada em Panmunjom, inclusive com a criação de um parque industrial conjunto (hoje desativado) e, em 4 de dezembro de 2007, a primeira visita de um presidente do sul a Pyongyang. Ocorre, a cada tentativa histórica de reaproximação, há sempre uma intervenção americana massiva no processo eleitoral para impor um governo nacionalista e conservador ao sul que boicotasse o processo.
Vale lembrar, não só a presença militar americana na Coreia do Sul  com mais de 300 mil soldados, já seria motivo suficiente para a gravidade da situação geopolítica. Mas também entre no jogo a disputa com outras potências como a China e a Rússia.
Você poderia destacar algum fato pitoresco que lhe chamou atenção na sua visita, e que possa interessar a militância do Brasil e da América Latina?
Há muitos. O sistema de tomadas de decisões coletivas por voto e até a palavra voto eram desconhecidos de uma representante do governo responsável por nossos cuidados. Em outra ocasião, ao perguntá-la o que ouvia ao fone de ouvido, mencionou que era uma música relacionada ao amor materno. Ficamos admirados, depois de tantos dias de viagem, onde todas as referências artísticas eram relacionadas à doutrinação, eis que ela emenda: “…amor de mãe, ou seja, o Partido.”
Aliás, essa onipresença da propaganda e construção ideológica é algo que impressiona. É difícil criticá-los quando o mundo ocidental desenvolveu formas tão sofisticadas de dominação cultural, mas ao mesmo tempo me questiono qual seria a opinião de Paulo Freire sobre ilustrações infantis de tanques e ogivas nucleares em jardim de infância.
Um ponto importante à nossa militância, a política isolacionista fez com que a mentalidade em relação a determinados assuntos seja comparável à nossa média nos anos 50/60. Isso se percebe sobretudo na defesa de interesses de minorias, como é o caso de assuntos relacionados a questões de gênero. Ao tratar de feminismo ou homossexualismo, por exemplo, não há muita diferença entre conversar com um coreano ou um conservador brasileiro.
Se por um lado houve grandes avanços em freiar individualismos e restabelecer o coletivo perdido com a revolução burguesa, isso se deu ao preço de absolutamente se ignorar os direitos das minorias e não a partir da construção de uma "unidade na diversidade", utilizando de um termo de nosso querido Houtart. Não houve, sequer minimamente, uma preocupação em superar o caráter extremamente patriarcal da sociedade coreana.
A Coreia já participou da Copa do Mundo de futebol no Brasil e parece que estão bem na classificação do grupo da Ásia. O futebol é também muito popular por lá? Eles ficaram perguntando de nosso futebol brasileiro?
Durante a nossa estada, a Coreia acabou se classificando para a Copa Asiática Sub-23, após ganhar contra Hong Kong, Taiwan e Laos. O futebol é o segundo esporte mais admirado no país, perdendo apenas para o vôlei. Há um campeonato nacional e escolas de ensino primário e secundário que, ao mesmo tempo, são preparatórias de jogadores, e pudemos visitar uma delas. A relação entre o esporte e o espectador, no entanto, parece diferente da nossa. No campeonato Sub-23, por exemplo, toda a torcida era de jovens universitários, saídos há poucos minutos de suas classes. Nos pareceu mais uma forma de promoção da identidade nacional e do patriotismo que uma relação expontânea com a torcida. 
A admiração pelo futebol brasileiro é uma unanimidade. Há, no entanto, menos programas de intercâmbio com clubes brasileiros do que com europeus, o que eles gostariam de melhorar.
Edição: Luiz Felipe Albuquerque

Coreia do Norte situação belicosa em 2017

https://www.cartacapital.com.br/internacional/dez-perguntas-e-respostas-sobre-a-coreia-do-norte

Dez perguntas e respostas sobre a Coreia do Norte

por Deutsche Welle  publicado 05/09/2017 00h13, última modificação 04/09/2017 10h20
As provocações de Pyongyang continuam com o aumento do número de testes com mísseis e bombas. E em todo o mundo cresce a preocupação que um conflito com a Coreia do Norte esteja bem próximo de começar.
Saul Loeb e Ed Jones / AFP
Kim Jong Un e Donald Trump.jpg
Kim e Trump. O que esperar?



O que a Guerra da Coreia tem a ver com o conflito atual?
A Guerra da Coreia, entre 1950 e 1953, ainda está onipresente na consciência coletiva dos norte-coreanos, sobretudo porque Pyongyang não mede esforços em manter vivas as memórias do conflito. A propaganda da Coreia do Norte contra os EUA é tão eficaz porque as forças aliadas travaram uma guerra tendo pouca consideração pelos civis.
Em apenas três anos de luta, os EUA realizaram bombardeios contínuos contra a Coreia do Norte, matando um quinto de sua população. O comandante das Forças Aliadas, o general americano Douglas MacArthur, sugeriu o uso de "30 a 50 bombas atômicas", o que, na época, foi muito drástico para o então presidente dos EUA, Harry S. Truman.
Tecnicamente, a guerra ainda não acabou, já que nenhum tratado de paz foi assinado. Por outro lado, um cessar-fogo está vigente há 64 anos. A presença de 30 mil soldados americanos na Coreia do Sul e os exercícios militares regulares dos americanos com tropas sul-coreanas deixam os norte-coreanos com uma sensação permanente de ameaça.
Como é a vida das pessoas na Coreia do Norte?
Anos de isolamento prejudicaram seriamente a economia da Coreia do Norte, o que é motivo de sofrimento até hoje para a população. Em meados da década de 1990, o país sofreu com uma fome desvastadora que matou cerca de 300 mil pessoas. A ONU relata que mais de um terço da população está malnutrida e há falta de assistência médica e saneamento básico.
Um clima rigoroso e extremo, com períodos de inundações e secas, dificulta a autossuficiência de produtos agrícolas, o que faz o país depender das importações. No entanto, devido à tensa situação de política externa e sanções rigorosas, a Coreia do Norte tem negócios com poucos parceiros, como China e Irã. Mesmo assim, as organizações internacionais tentam prover ajuda humanitária ao país. Atualmente, a ONG internacional Ação contra a Fome ajuda a Coreia do Norte com mais de dois bilhões de euros.
O regime de Kim Jong-un é realmente irracional?
Não há dúvidas de que Kim Jong-un, de 33 anos, é um déspota que tem como objetivo manter seu poder a qualquer preço na única ditadura comunista familiar do mundo. Mas Kim não deve ser visto como o "louco de Pyongyang". Ao longo dos últimos seis anos, ele pode ter agido de forma imprudente, mas também estratégica. Kim fortaleceu seu poder no Estado, partido e Exército. Rivais potenciais como seu meio-irmão e tio foram eliminados. 
Seus programas nuclear e de mísseis são racionais em relação ao seu principal objetivo de manter o sistema. Kim não precisa de mísseis como armas de ataque. O que ele realmente quer é um efeito de dissuasão perfeito – e dialogar com os EUA em pé de igualdade, de uma potência nuclear para outra.
Como a Coreia do Sul avalia a situação?
A Constituição sul-coreana, de 1987, se compromete com a reunificação pacífica baseada na liberdade e democracia. Mas nem a chamada "Política do Sol" de Kim Dae Jung no início do novo milênio, nem as medidas mais duras de seus predecessores conseguiram alcançar algum sucesso na aproximação entre os dois países.
Após um período de turbulência doméstica, a Coreia do Sul elegeu um novo presidente –Moon Jae-in – em maio de 2017. Ele defende um entendimento com a Coreia do Norte e anunciou manter uma maior distância dos EUA. Até o momento, Pyongyang não respondeu às ofertas de Seul de sentar numa mesa de negociações.
A volátil política dos EUA para a Coreia do Norte é mais um fator que torna difícil o trabalho da Coreia do Sul. Moon parece se preocupar em garantir que seu país não se torne refém político de um conflito internacional.
Como aconteceria um conflito militar?
Por trás de ambas as Coreias altamente armadas estão os antigos aliados da Guerra da Coreia, que são também rivais: a China apoia Pyongyang, enquanto que os EUA apoiam Seul. Um conflito provavelmente envolveria o Japão, Rússia e, por causa da Otan, a Alemanha.
Se uma guerra entre as duas Coreias acontecer, milhões de vidas estariam em perigo imediato sem o uso de armas nucleares. A capital da Coreia do Sul, Seul, com uma população de cerca de 10 milhões de pessoas, fica a apenas 60 quilômetros da fronteira norte-coreana, e está ao alcance de milhares de peças de artilharia de Pyongyang. 
Pyongyang teve décadas para esconder e proteger suas instalações militares. Até mesmo a potência militar americana não seria capaz de eliminar todas as armas a tempo. Além de armas nucleares, Kim também possui toneladas de armas químicas e biológicas. A longo prazo, a Coreia do Norte não conseguiria ganhar uma guerra, mas toda a península coreana seria transformada literalmente em cinzas no caso de um conflito.  
Gráfico
(Fonte: DW)
Como Donald Trump mudou a política dos EUA em relação à Coreia do Norte?
Com a entrada de Trump na Casa Branca, a política dos EUA para a Coreia do Norte sofreu uma reviravolta. Logo no início de seu mandato, o caso do estudante americano Otto Warmbier causou grande preocupação. Após sair de uma prisão norte-coreana, o jovem apresentava sinais de abuso físico e morreu poucos dias depois de chegar aos EUA.
Sobre as mais recentes provocações, Trump reagiu com muita indignação, afirmando que reagiria com "fogo e fúria" caso a Coreia do Norte continuasse com seus testes de mísseis, usando uma retórica semelhante a de Kim Jong-un.
Após os apelos internacionais, ambos os lados atenuaram a retórica. Mas, apenas alguns dias depois, os EUA realizaram suas manobras militares anuais com a Coreia do Sul, apesar dos protestos de Pyangyong.
Por que a China hesita em pressionar a Coreia do Norte?
O Ocidente espera que a China endureça suas sanções contra a Coreia do Norte, especialmente quando se trata de exportações de petróleo. Mas Pequim rejeita e continua exportando petróleo e alimentos para Pyongyang dizendo se tratar de "ajuda humanitária".
Entretanto, Pequim aderiu às sanções previamente estabelecidas pela ONU que impedem a importação de carvão e outros produtos norte-coreanos. No geral, não está claro qual é a influência da China sobre a Coreia do Norte: por várias vezes, Pyongyang realizou testes atômicos, apesar de avisos intensos de Pequim.  
A China teme uma mudança de regime na Coreia do Norte, especialmente se isso levar a uma reunificação com a Coreia do Sul. Isso colocaria a península coreana completamente sob a influência dos EUA, e soldados americanos ficariam estacionados diretamente na fronteira com a China – um pesadelo para a liderança chinesa.
A Rússia é mais do que um observador silencioso?
Moscou afirma que os testes com mísseis balísticos são uma "séria ameaça para o tráfego aéreo e marítimo na região", bem como um perigo para os civis. A Rússia divide uma fronteira de apenas 17 quilômetros com a Coreia do Norte. Por outro lado, os russos também alertam os EUA contra uma ação militar, e querem contribuir com uma solução diplomática para os problemas na península coreana.
O Kremlin ainda é cauteloso sobre sanções à Coreia do Norte, mas em linha com as resoluções da ONU, suspendeu todos os seus projetos econômicos importantes com Pyongyang. No entanto, Moscou está preparada, caso seja necessário, para fortalecer o regime norte-coreano.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Dez verdades sobre a Revolução Farroupilha


Dez verdades sobre a Revolução Farroupilha


Juremir em 20 de setembro de 2015 
1) Foi uma guerra civil de proprietários rurais em defesa dos seus interesses de classe, que não contou com apoio da parte considerável da população, especialmente das principais cidades como Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande.
2) Enquanto a Balaiada, no Maranhão, foi uma guerra dos pobres e abolicionista, a Revolução Farroupilha foi conservadora, não previu a abolição da escravatura na Constituição que chegou a ser escrita, usou os negros como mão de obra militar no momento do aperto e os traiu em Porongos.
3) Os negros traídos em Porongos foram, antes de tudo, os infantes, que lutavam com armas de fogo. Canabarro retirou o cartuchame da infantaria na véspera do ataque de 14 de novembro de 1844 apesar de três avisos da aproximação do adversário: 1) no dia 11, a patrulha farrapa do major Polvadeira bateu-se com a vanguarda inimiga, comandada pelo tenente Fidélis, e foi batida. Morreram seis homens; 2) a irmã do general Neto, proprietária de campos nas imediações, mandou avisar que vira soldados de Moringue nas proximidades. Canabarro destratou o mensageiro: “Moringue, sentindo a minha catinga, aqui não vem”. 3) Um prisioneiro dos imperiais foi libertado e voltou para as tropas farroupilhas. Os lanceiros também foram traídos, pois expostos a uma surpresa combinada com o adversário, mas, ao menos, tinham lanças e cavalos. Canabarro fugiu só de cuecas enquanto os negros eram mortos.
4)  Os negros que caíram prisioneiros foram entregues ao Império e levados ao Rio de Janeiro para o Arsenal da Marinha. Em História Regional da Infâmia, o destino dos negros farrapos e outros iniquidades brasileiras, mostro como se deu a entrega dos negros, que seguiram para o Rio de Janeiro na barca Triunfo da Inveja. “Em 2 de março de 1845, finda a guerra, David Canabarro escreveu a Caxias informando sobre a entrega dos negros: “Por Israel Antunes da Porciúncula faço acompanhar até a presença de V. Ex. noventa libertos, com seus armamentos, para terem o destino por V. Ex. indicado”. Em 4 de março de 1845, José Santos Pereira, comandante da Segunda Divisão, à margem do rio Santa Maria, passou recibo a Canabarro: “O Senhor Barão de Caxias (…) ordenou-me quando marchou deste campo para Bagé, que abrisse os ofícios que viessem para ele, o que fiz com o que V.Sa. lhe dirigiu em data de 2 do corrente (…) fico de posse dos libertos que lhe remeteu”. Em 5 de março de 1845, Caxias escreveu ao ministro da Guerra, Jerônimo Coelho: “Os escravos que eles ainda conservavam armados, foram entregues com suas armas, e seu número já não excede a 120 (…) Os escravos mandei adir aos corpos de Cavalaria de Linha, até seguirem para essa Corte na forma das ordens que recebi”. Recebeu e cumpriu. A questão dos escravos fora o ponto mais difícil para alcançar a paz. Em 7 de Maio de 1845, o ministro cobrou de Caxias o envio dos negros: “Sua Majestade o Imperador mandando renovar a ordem a Vossa Excelência designada na última parte do Aviso reservado do 1º de abril, determina (…) que Vossa Excelência na ocasião de remeter para esta Corte os escravos entregues pelos rebeldes, e quaisquer outros anteriormente prisioneiros, os faça acompanhar de relações nominais, tanto agora deles, como dos senhores, a quem pertencem”. Em 1º de agosto de 1845, o ministro da Marinha, Cavalcanti de Albuquerque, especificou: “Deverão ser remetidos para esta Corte tanto os escravos que forem aí pagos como os que devem ser aqui avaliados, a fim de se lhes dar o conveniente destino” (Avisos de Guerra, AHRGS. Bl. 049). Em 5 de setembro de 1845, Albuquerque enviou correspondência a Caxias alertando que algo não estava batendo: “Havendo o Brigadeiro graduado Luis Manoel de Jesus remetido uma relação de oitenta e oito libertos, que por ordem de Vossa Excelência deviam seguir para esta Corte, e não tendo aqui chegado os que constam da relação junta assinada pelo Oficial Maior desta Secretaria de Estado; assim o comunico a Vossa Excelência (…) a fim de dar as convenientes providências a tal respeito”. Triumpho da Inveja mostra que a cobrança surtiu efeito. Em maio de 1848, uma comissão da Câmara dos Deputados estava reunida para dar destino aos negros farrapos.” A traição foi completa, do massacre à entrega.
5) Bento Gonçalves morreu rico, como prova o seu inventário, deixando mais de 50 escravos para seus herdeiros. A lenda dizia que ele tinha acabado a vida como o “mais pobre dos homens”.
6) Em dez anos de guerra civil, morreram entre 2900 e 3400 pessoas, uma média de 300 por ano, menos de uma por dia. Mesmo para a população da época, era mais fácil morrer de gripe.
7) Praticou-se de tudo: estupro, degola, saque, apropriação de terras alheias e sequestro. Antônio Vicente da Fontoura, encarregado de negociar a anistia com o Império, denunciou os estragos da corrupção.
8) Os farrapos receberam indenizações secretas do Império. Fontoura foi encarregado de fazer a distribuição do dinheiro no que chamou de “quatro dias do inferno”. A fome pelo dinheiro levou à apresentação de notas frias e uma disputa sem limites. Fontoura chamava Bento de infame.
9) Nunca houve um tratado de paz de Ponche Verde. Canabarro e Caxias não estiveram juntos às margens do rio Santa Maria para um aperto de mão e a assinatura de um documento de paz.
10)
A história é uma ficção reconstruída a cada geração. Os farrapos ficaram no Campo da Carolina, em Ponche Verde, margem esquerda do rio Santa Maria. Caxias estava na margem direita. Depois que os rebeldes enviaram correspondência aceitando as concessões do Império, o barão mandou escrita a sua proclamação saudando a paz. A palavra de Caxias valia para os dois lados. Os farroupilhas acharam melhor crer que ele ludibriava o Império para atender ao que pediam. Negou-se, por exemplo, durante décadas, a existência do decreto imperial de 18.12.44, que dizia literalmente: “Recorrendo à minha imperial clemência aqueles de meus súditos que, iludidos e desvairados, têm sustentado na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul uma causa atentatória da Constituição Política do Estado, dos decretos da minha Imperial Coroa formados na mesma Constituição e reprovado pela nação inteira; que leal e valorosamente se tem empenhado em debelá-la; e não sendo compatível com os sentimentos do meu coração o negar-lhe a paternal proteção a que os ditos meus súditos se acolhem arrependidos: Hei por bem de conceder a todos, e a cada um deles, plena e absoluta anistia, para que nem judicialmente, nem por outra qualquer maneira, possam ser perseguidos ou de alguma forma inquietados pelos atos que houverem praticado até a publicação deste decreto”.
As instruções reservadas de 18 de Dezembro de 1844 obrigavam Caxias a exigir dos chefes rebeldes pedidos de anistia e atendiam a maioria das demandas de concessão dos farrapos, mas não previam liberdade para os negros. Afirmavam, no artigo sexto, que os escravos seriam “remetidos para a Corte, à disposição do governo imperial que lhes dará conveniente destino”. Em 4 de janeiro de 1845, em ofício ao ministro da Guerra, Caxias jurou cumpri-las religiosamente. Em carta a Canabarro, em 27 de fevereiro de 1845, Caxias foi enfático: “Ao Senhor Antônio Vicente da Fontoura mostrei não só o Decreto Imperial que garante quanto tenho prometido, como as instruções que o acompanham, e espero que ele de tudo o cientifique”. Canabarro e Fontoura sabiam da anistia e com ela concordaram. Como diz Moacyr Flores, Caxias não tinha autoridade para fazer um tratado de paz – pois o Rio Grande não era reconhecido como nação – nem para libertar os negros. Em correspondência ao ministro da Justiça, em 4 de março de 1845, Caxias enterrou ilusões: “Tendo todos os chefes que os capitaneavam sem exceção se me apresentado e pedido anistia, mandei publicar o decreto de 18 de Dezembro (…) seguindo à risca as instruções que me foram antes dirigidas”. Em 18 de março de 1845, o barão mandou cópia do decreto imperial ao promotor da Comarca de Rio Pardo para chancelar uma anistia. Remeteu cópia do mesmo documento também para a Câmara Municipal de Pelotas como comprova esta carta guardada na Biblioteca Pública Pelotense: “Remeto a Vosmecês para sua inteligência, e para que façam contar no seu respectivo Município, a inclusa cópia do Decreto de 18 de Desembro de 1844. Deus Guarde a Vosmecês. Palácio do Governo em Porto Alegre 15 de Abril de 1845. Conde de Caxias”. A cópia do decreto enviada para Pelotas (MPP 005) levava a assinatura de confirmação de Domingos José Gonçalves de Magalhães, secretário de governo de Caxias. Desaba a tese muito difundida de que não houve anistia ou de que esse fato permaneceu totalmente escondido por mais de uma década dos principais chefes farroupilhas. Era público. Público e notório.

Sobre Revolução Farroupilha (Porongos, por Ali Jamal)

PORONGOS: COVARDIA, TRAIÇÃO, FALSIDADE
"Depois de lutarem, durante dez anos, não por dinheiro ou impostos, mas pela liberdade, no dia 14 de novembro de 1844 foram miseravelmente traídos no mais vergonhoso episódio dessa guerra, conhecido como “O Massacre de Porongos”. Desarmados, por seu comandante Canabarro, esses homens foram traiçoeiramente entregues a sanha historicamente genocida de Caxias."
A Revolução Farroupilha foi a mais longa revolta republicana contra o Império escravocrata e centralizador brasileiro. Os grandes e poderosos proprietários de terras gaúchos, sentindo-se desfavorecidos pelas leis federais, principalmente pelos impostos considerados excessivos, entram em negociações com o governo regencial. Tais negociações, consideradas insatisfatórias, criam um crescente estado de tensão até o rompimento definitivo e a declaração de guerra, em 20 de setembro de 1835.
Depois do combate travado em Bagé, conhecido como “a Batalha do Seival”, em que as forças imperiais foram surpreendente e rotundamente derrotadas, surge um movimento político dissidente e separatista. Com sua radicalização é proclamada a independência e criada a República Rio-Grandense frente ao Império do Brasil, propondo uma República Federativa às demais províncias que viessem a separar-se do Império e assumissem a forma republicana.
Para lutar por “um país independente” foi necessário juntar as tropas dos generais que aderiram à causa e assim foi formado o “exército farroupilha” liderado pelo Gen. Bento Gonçalves. Na verdade, os verdadeiros protagonistas dessa luta foram os negros, os índios, os mestiços e os brancos pobres que lutaram de forma abnegada pela recém criada República e por espaços de liberdade, buscando um futuro melhor para si e para os seus. Entre os generais está um abolicionista convicto, Antônio de Souza Netto, que não só coloca a libertação dos escravos como um dos “ideais farroupilha” como propõe a participação dos negros na luta dos farrapos. Num primeiro momento a idéia é rejeitada. Porém, em 4 de outubro de 1836”, depois da “Derrota de Fanfa”, em que Bento Gonçalves foi preso e o exército farroupilha teve excessivas baixas, eles não vacilaram em libertar os escravos que, em troca, se engajaram no exército farroupilha. Assim foi criada a unidade militar que ficou conhecida como os Lanceiros Negros.
Nesse corpo de Lanceiros Negros só havia branco os oficiais superiores. Os negros eram os melhores domadores de cavalos da província. Suas lanças eram maiores do que as ordinárias, os rostos pretos como azeviche. Seus corpos robustos e a sua perfeita disciplina os tornavam o terror dos imperiais. A participação decisiva dos Lanceiros Negros foi ressaltada pelo republicano Giuseppe Garibaldi – “herói dos dois mundos” - em sua biografia escrita por Alexandre Dumas: “soldados de uma disciplina espartana, que com seus rostos de azeviche e coragem inquebrantável, punham verdadeiro terror ao inimigo” ou ainda “...mas nunca vi, em nenhuma parte, homens mais valentes, ...em cujas fileiras aprendi a desprezar o perigo e combater dignamente pela causa sagrada das nações...” (GARIBALDI,Giuseppe, em FAGUNDES, M. Calvet, História da Revolução Farroupilha. EDUCS.1989.p. 9).
Depois de lutarem, durante dez anos, não por dinheiro ou impostos, mas pela liberdade, no dia 14 de novembro de 1844 foram miseravelmente traídos no mais vergonhoso episódio dessa guerra, conhecido como “O Massacre de Porongos”. Desarmados, por seu comandante Canabarro, esses homens foram traiçoeiramente entregues a sanha historicamente genocida de Caxias.
A “Traição de Porongos” e o Massacre dos Lanceiros Negros
Como explicar aos brasileiros tamanha covardia e a baixeza moral perpetradas por dois homens, David Canabarro e Duque de Caxias, ambos idolatrados como “heróis” pela historiografia oficial - um deles até considerado “patrono do Exército” - durante a chamada Revolução Farroupilha? Os historiadores oficiais criaram deliberadamente imagens falsas de Porongos procurando não macular “seus” heróis. Entretanto, a hediondez dos acontecimentos só nos permite uma coisa: não a explicação, mas a revelação da verdade, baseada em documentos oficiais que ficaram escondidos por décadas e só agora revelados.
As crescentes dificuldades enfrentadas pela nova República e as disputas políticas na região do Prata, preocupantes para as autoridades do Império, impuseram às duas partes negociações de paz. Uma vitória militar decisiva dos farrapos sobre o exército imperial, comandado pelo então Barão de Caxias, tornara-se cada vez mais inviável. Por parte do Império era importante terminar logo a luta e buscar uma paz negociada, pois tudo indicava a inevitabilidade da luta com os vizinhos platinos. Mas para as duas partes era importante resolver a questão dos negros em armas. Os revoltosos haviam prometido liberdade aos negros que lutavam no exército farroupilha e com isso a Corte Imperial não concordava. Era um perigo para os escravocratas brasileiros um grande número de negros armados. E se eles, agora bastante coesos, procurassem asilo no Uruguai e a partir daí continuassem a guerra com táticas de guerrilhas, fazendo do território uruguaio seu santuário? Isso levaria à guerra e “poderia provocar graves problemas com a Argentina de Juan Rosas” (LEITMAN Spencer, Negros Farrapos: hipocrisia racial no sul do Brasil no séc.XIX e DACANAL José, A Revolução Farroupilha: história e interpretação. Porto Alegre: Mercado Aberto.1985. p. 72)
Pelo lado dos farrapos, Bento Gonçalves foi afastado da liderança, e os novos líderes, David Canabarro e Antônio Vicente da Fontoura, ambos escravocratas, negociavam a paz com Caxias. A promessa de liberdade para os combatentes negros depois de 10 anos de abnegadas e vitoriosas lutas deles nas batalhas pesava muito nas negociações.
Foi neste contexto que aconteceu, na madrugada de 14 de novembro de 1844, o “Massacre de Porongos” em que os Lanceiros Negros – previamente desarmados por Canabarro e separados do resto das tropas – foram atacados de “surpresa” e dizimados pelas tropas imperiais comandadas pelo Cel. Francisco Pedro de Abreu (o Moringue), através de um conluio entre o barão (mais tarde duque) de Caxias e o gen. Canabarro para se livrarem dos negros em armas e poderem finalmente assinar a Paz de Ponche Verde. “Traição de Porongos, que mais foi a matança de um só lado do que peleja, dispersou a principal força republicana e manifestou morta a rebelião. (...) Em Porongos pois, a revolução expirou. Foi daí que seguiu-se o entabulamento das negociações, que deram tranqüilidade ao Rio Grande do Sul” (ARARIPE, Tristão de Alencar. Guerra civil no Rio Grande Do Sul: memória acompanhada de documentos lida no Instituto Histórico Geográfico do Brasil. Porto Alegre, CORAG, 1986, p.211).
“Caxias confiava no poder do ouro. Com poderes ilimitados e verbas consideráveis para sobrepor-se aos “obstáculos pecuniários” que surgissem ao negociar com os líderes farrapos, ele tentou um acordo com David Canabarro, o principal general farrapo, para terminar a guerra. De comum acordo decidiram destruir parte do exército de Canabarro, exatamente seus contingentes negros, numa batalha pré-arranjada, conhecida como “Surpresa de Porongos” em 14 de Novembro de 1844” (LEITMAN, Spencer. Negros Farrapos ...Idem p. 75)
Em suas instruções secretas a Moringue, o comandante da operação, Caxias, orientou-o no sentido de poupar brancos e índios, que poderiam ser úteis para futuras lutas.
Cópia integral dessas “instruções secretas” encontra-se no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul e nela está afirmado: Reservado: “Senhor Cel. Francisco Pedro de Abreu (...) Regule V.S. suas marchas de maneira que no dia 14, às duas horas da madrugada possa atacar as forças ao mando de Canabarro que estará neste dia no cerro dos Porongos (...) Suas marchas devem ser o mais ocultas que possível seja, inclinando-se sempre sobre a sua direita, pois posso afiançar-lhe que Canabarro e Lucas ajustaram ter as suas observações sobre o lado oposto. No conflito, poupe o sangue brasileiro o quanto puder, particularmente da gente branca da Província ou índios, pois bem sabe que essa pobre gente ainda nos pode ser útil no futuro. A relação justa é das pessoas a quem deve dar escapula, se por casualidade caírem prisioneiros. Não receie a infantaria inimiga, pois ela há de receber ordem de um ministro de seu general em chefe para entregar o cartuchame sob o pretexto de desconfiarem dele. Se Canabarro ou Lucas forem prisioneiros, deve dar-lhes escapula de maneira que ninguém possa nem levemente desconfiar, nem mesmo os outros que eles pedem que não sejam presos (...) 9 de novembro de 1844.Barão de Caxias” [AHRS. Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul-Volume 7. Porto Alegre, 1963. P.30/31].
Canabarro cumpriu sua parte no combinado, deu ordem ao quartel-mestre para recolher o cartuchame de infantaria e carregá-lo em cargueiros para serem distribuídos quando aparecesse o inimigo e separou os negros farrapos do resto da tropa. Isolados e desconhecendo a traição de seu comandante, os Lanceiros Negros resistiram bravamente antes de serem liquidados. O “Combate de Porongos” – no qual oitenta, de cada cem mortos, eram negros – abriu caminho para a Paz de Ponche Verde alguns meses depois.
A indignação de Bento Gonçalves com Canabarro é revelada logo após o “combate” de Porongos quando diz que os “caminhos indispensáveis por onde Canabarro tinha de avançar eram tão visíveis que só poderiam ser ignorados por quem não quisesse ver nem ouvir ou por quem quisesse ouvir a traidores, talvez comprados pelo inimigo! (...) Perder batalhas é dos capitães e ninguém pode estar livre disto; mas dirigir uma massa e prepará-la para sofrer uma surpresa semelhante (...) é (...) covardia do homem que assim se conduz”. [Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Coletânea de Documentos de Bento Gonçalves da Silva. 1835/1845]
Poucos dias depois, Teixeira Nunes e os Lanceiros Negros remanescentes são enviados por Canabarro para uma ação altamente temerária na retaguarda inimiga (sobre a qual pairam também suspeitas). Atacados por Chico Preto, são aniquilados e seu comandante é ferido e depois assassinado.
Tal como nos dias de hoje em que as autoridades do país escondem seus crimes hediondos, alguns contra a humanidade, amparadas por leis fraudulentamente arrancadas de um congresso corrupto até a alma, como é o caso dos crimes praticados pelas autoridades civil e militar durante o período 64/85, a “Traição de Porongos” permaneceu como um segredo guardado a sete chaves por muitos anos.
CEBRASPO – Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos
Ali Jamal